(...) De volta à cama, mesmo aliviado, não conseguia dormir. Deitou e rolou de lá pra cá, acompanhando a inconsistência dos pensamentos. Sentia um torpor, noite abafada. Achava que ia dormir, mas se prestava atenção nisso o sono sumia... Lugares e pessoas, as mais variadas, compareceram. Percebendo sua confusão, iam embora. Precisava dormir... Ou de algum desafogo...
A coisa ficou mais sólida quando sentiu Juliana deitada a seu lado. De imediato apoiou uma das mãos na memória de suas ancas arredondadas. A outra já se ocupava com seu próprio estado de espírito... Aproximou-se de Juliana, a cama era estreita. As curvas reconstruídas pela memória foram se ampliando. Guilha, envolvido, aprofundava-se cada vez mais neste sonho...
Juliana tornava-se inteira, acessível... Beijou, saudoso, seus perfumosos cabelos. Cheiro nativo, profundo, terroso, sensual. Afundou o nariz nas madeixas suavemente agrestes. Macio, o travesseiro... Num movimento mais introspectivo, desceu aos seios. As juntas dos dedos da mão esquerda mergulhadas na boca. A mão direita, em contínuo mas controlado movimento...
Ah, os seios de Juliana!... Eram diferentes: cada um, um rumo. Diferenças sutis, só acessíveis aos mais observadores. Ou aos mais próximos, privilégio ocasional, muito apreciado por Guilherme. Mergulhou num repetido aconchego, bamboleando a cabeça de um a outro... O esquerdo, mais ousado. A auréola ríspida, apontando o desejo. O direito, mais macio, virando-se para o lado. Deixando fazer, como se não soubesse de nada...
Guilha sabia muito bem onde queria chegar... Circunavegou o entorno do umbigo. Ah, o umbigo de Juliana... Como medida, o nariz entre dois dedos. À sua volta, ondulações de uma barriga morena, os mínimos pelos eriçados, a pele ligeiramente áspera. Prostrou-se a seu ventre, como um sacerdote em entrega a uma longamente ansiada consagração...
Trouxe de volta perfumes e sabores de Juliana. Queria mais dos sabores... Sua memória abraçou outra vez o grande arco dos quadris. Solução necessária à vida ou decisão irrevogável do destino, ainda que pudesse parecer o mais deslavado tesão, todo o anfiteatro das ancas e dos seios atraiu seu olhar e sentimento. Ah, a barriguinha chocolate de Juliana...
Como um líquido inevitavelmente mergulha em vórtice para o bico de um funil, seu desejo o levou a um ponto único, um certo lugar, o lugar certo: a vulva fulva de Juliana...
Ah, a fulva vulva de Juliana!... Podia ter sido a luz filtrada pelo abajur de lona, quem sabe um shampoo de efeito fosforescente, talvez uma tintura especial que aplicou, Guilherme não tinha certeza, nem perguntou... Preferiu ter tido, naquela primeira vez, apenas a visão da vulva fulva de Juliana. Inebriado, não lhe veio, na hora, naquele dia-noite com Juliana, qualquer certeza sobre a cor de tão atraente (como dizer?, procurava o termo...) vagina, boceta, vulva...
Seria dourada?... Alourada?... Amarelada?... Trigueira?... Ruça?...
Achando a rima, encontrou a cor...
Fulva... A vulva fulva...
Deliciosa... A língua guardara nas mais profundas papilas seu sabor agridoce, vinho tinto de boa safra... Agora de volta, como um brinde. Na mente, o jogo de cores, o lusco-fusco do fim daquela tarde como que voltando para esta profunda noite.
E o jogo das palavras... Brincou com as palavras (“fulva, vulva, uva, luva, fula, lufa...”), saboreando na mão a fulva vulva de Juliana. Sentiu que lembrava da penetração... A entrada suave, o deslizar... A reentrada, as idas e vindas, as idas cada vez mais profundas... E agora, ali na cama turca, a mão se agitava, acelerava o movimento. Conseguiria, por si mesmo, a revivificação do prazer, o que tivera com Juliana?...
Foi este o momento da interferência... De alguma maneira, alguma forma (e forma de mulher!...) se intrometeu (se não houver excessiva ironia nisto...) entre ele e a figura quase real de Juliana. Da forma, negra, algo, surpreendentemente, luzia no escuro: os olhos...
Uns olhos... Mais negros que a escuridão que protegia seu prazer, estes olhos... Olhos de jabuticaba?... Algo se acelerou... O que foi, o quê?... O coração?... A mão?... Entre se entregar e estar atento, perdeu por um momento o controle: o prazer, ansioso, tomou-lhe à frente!...
Em suma: gozou...
E acordou!... Tratou de capturar em uma das mãos a lambança que a outra fazia, conter a trajetória da porra no espaço, o empolgado ganso imediatamente afogado em papel higiênico, no pedaço que previdentemente trouxera para a cama. Não podia molhar (sujar?...) o lençol. Muito menos a parede, tão perto. Pegaria mal...
Gozado, quem lhe veio à mente, agora, foi Gustavo...
Percebeu que acabara de viver uma cena que, se por acaso fosse escrita e publicada, alguém, mal intencionado, adoraria encontrar e ler, ao folhear, qualquer dia, um qualquer livro, em qualquer bancada de qualquer livraria...
Trecho do livro O Jogo do Resta Um - romance sócio-antropológico
quase histórico, pouco político, meio filosófico, muito econômico
quase histórico, pouco político, meio filosófico, muito econômico
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